O Brasil acabava de se tornar independente de Portugal e o Rio de Janeiro oferecia infinitas oportunidades
Os acontecimentos que levaram Pedro de Saisset ao envelope e motivaram a sua decisão de escrever ao irmão Imperador do Brasil são muito anteriores àquele janeiro de 1865. A história desse filho de Clémence é bem mais antiga. Para entendê-la, é preciso acompanhar a jornada de um casal de comerciantes franceses, que desembarca do baleeiro le Harponneur, em 24 de outubro de 1826, no porto do Rio de Janeiro. A cidade era a mais vibrante e promissora do hemisfério sul.
Ele, Pierre Joseph Felix de Saisset, um marselhês de 29 anos, Cavaleiro da Ordem Nacional da Legião de Honra. Ela, a modista Henriette Josephine Clémence de Saisset, uns três anos mais nova que o marido, vinda de uma família de artistas itinerantes. Antes de casar-se com Pierre, carregava o sobrenome Mëes.
O pai dela, Joseph-Henri Mëes, era violinista e maestro, nascido na Bélgica. Em 1794, fundou na Alemanha uma trupe de teatro, formada por belgas e franceses. Cinco anos depois, casou-se com a bailarina francesa Cathérine Lambert, também conhecida pelo nome artístico Mme Saint-Romain. Clémence nasceu em Hamburgo, em 1800 e, na infância, percorreu diversos países com a trupe dos pais, até que se estabeleceram na França.
Já adulta e casada com Pierre, a peregrinação ganhou outra dimensão e, agora, se estendia para além do oceano Atlântico. Tudo havia acontecido muito rápido, desde o seu casamento em 12 de junho de 1824, na bela Église de la Madeleine, em Paris. Em agosto do ano seguinte, nascera-lhe a primeira filha. Ao Rio de Janeiro, chegou na companhia do marido e da pequena Marie Elisabeth, de apenas um ano e um mês. A mudança não deixava de ser um desafio, mas calculado. Afinal, Pierre e sua família estavam no ramo do comércio há muitos anos.
A imigração, além da aventura de construir novas relações em outro continente, também representava a oportunidade de manter uma renda. A França, naquela primeira metade do século XIX, ao contrário da Inglaterra, amargava um ritmo lento de crescimento industrial e ainda buscava se recuperar das perdas acarretadas pelas Guerras Napoleônicas. O país permanecia atrás de economias como a norte-americana e a alemã. Mesmo com o consumo interno em recuperação, havia a necessidade de buscar novos mercados, uma vez que os Saisset comercializavam artigos nada essenciais, como tecidos finos, papéis pintados para parede, acessórios e perfumes.
O Rio de Janeiro, nesse sentido, apresentou-se como uma grande oportunidade para ambos. O Brasil acabava de se tornar independente de Portugal, mas a referência em moda, educação e costumes ainda era europeia. E comprar produtos franceses tinha um significado que ultrapassava a funcionalidade do bem adquirido. Representava luxo, sofisticação, glamour e, sobretudo, status social.
Se a França das primeiras décadas do século XIX deixava a desejar no quesito industrialização, demonstrava inegável domínio nos assuntos elegância e estilo. No Brasil daquele período, o culto e a adoração a tudo o que fosse francês ganharam reforço com a passagem da Missão Artística Francesa, que desembarcou no Rio em 26 de março de 1816. O grupo, liderado por Joaquim Lebreton, contava ainda com personagens de peso, como o pintor Jean Baptiste Debret, o arquiteto Grandjean de Montigny, e o escultor Auguste Marie Taunay.
Com tanto marketing espontâneo, os Saisset não precisaram de muita publicidade para desenvolver um negócio. Fixaram-se na renomada Rua do Ouvidor, no. 98. O sócio era ninguém menos que o lendário Bernard Wallenstein, que também se tornaria padrinho do primeiro filho dos de Saisset, nascido no Rio. A abertura da loja foi anunciada em 14 de março de 1827 no Diário Mercantil, um dos mais lidos no seu tempo, cuja impressão ocorria na própria Ouvidor, no número 5.
A new world
Brazil had just become independent from Portugal and Rio de Janeiro offered endless oportunities
The events that led Pedro to the envelope and motivated his decision to write to his brother Emperor of Brazil are much earlier. To understand them, it is necessary to follow the journey undertaken by a couple of French merchants. On October 24, 1826 both disembarked from the whaler le Harponneur in the port of Rio de Janeiro. The city was the most vibrant and promising in the southern hemisphere. Pierre Joseph Felix de Saisset was a 29-year-old Knight of the National Order of the Legion of Honor, born in Marseille. Henriette Josephine Clémence de Saisset was a dressmaker, some three years younger than her husband, born in a family of itinerant artists. Before marrying Pierre, she carried the surname Mëes.
Her father, Joseph-Henri Mëes, was a violinist and conductor, born in Belgium. In 1794, he founded a theater troupe in Germany, formed by Belgians and French performers. Five years later, he married the French ballerina Catherine Lambert, also known by her stage name Mme Saint-Romain. Clémence was born in Hamburg around 1800 and, as a child, she toured several countries with her parents' troupe, until they settled in France.
As an adult and married to Pierre, the pilgrimage had taken on another dimension and now extended beyond the Atlantic Ocean. Everything had happened very fast, since their wedding on June 12, 1824 at the beautiful Église de la Madeleine in Paris. In August of the following year, her first child was born. In Rio, she arrived in the company of her husband and little Marie Elisabeth, only one year and one month old. The change was not without a challenge, but a calculated one. After all, Pierre and his family had been business people for many years.
Immigration, in addition to the adventure of building new relationships on another continent, also represented the opportunity to maintain an income. France, in the first half of the 19th century, unlike England, had a slow pace of industrial growth and was still trying to recover from the losses caused by the Napoleonic Wars. The country remained behind economies such as the US and Germany. Though internal consumption was recovering, there was a need to seek new markets, since the de Saissets sold non-essential items, such as fine fabrics, painted wallpaper, accessories and perfumes.
Rio de Janeiro presented itself as a great opportunity for both. Brazil had just become independent from Portugal, but the reference in fashion, education and customs was still European. And buying French products had a meaning that went beyond the functionality of the good itself. It represented luxury, sophistication, glamor and, above all, social status.
If France during the first decades of the 19th century left something to be desired in terms of industrialization, it showed an undeniable mastery in matters of elegance and style. At that time in Brazil the cult and worship of everything French had gained strength with the visit of the French Artistic Mission, which landed in Rio on March 26, 1816. The group, led by Joaquim Lebreton, was comprised by important figures, such as the painter Jean Baptiste Debret, the architect Grandjean de Montigny, and the sculptor Auguste Marie Taunay.
With so much spontaneous marketing, the de Saissets didn't need much publicity to develop a business. They settled in the renowned Ouvidor Street, at number 98. Their partner was none other than the legendary Bernard Wallenstein, who would also become godfather to the de Saissets' first child born in Rio. The store opening was announced on 14 March, 1827 in the Diario Mercantil newspaper, which was printed on the same street, but at number 5.
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