“E se convém a Vossa Majestade oferecer-me um presente, devo aceitá-lo por respeito, mas não ao ponto de dar recibo a um estranho.”
Em agosto de 1834, Clémence de Saisset escreve longa carta a D. Pedro, pai de seu filho. O documento foi traduzido pelo blog e dividido em três partes. Neste último trecho,
a modista fala do amor que um dia sentiu pelo imperador do Brasil e da conexão verdadeira que existiu entre ambos. Ela demonstra que ainda guarda certo respeito pelo ex-amante, mas deixa claro que não aceitará atitudes que considera abusivas.
D. Pedro, porém, jamais tomou conhecimento dos sentimentos externados por Clémence. Ele faleceu em setembro, no Palácio de Quéluz, em Portugal, e, muito provavelmente, nunca recebeu a carta de seis páginas. A relação havia terminado há seis anos, após a francesa anunciar que estava grávida do duque de Bragança. Para evitar maiores escândalos na corte e complicações no novo casamento do imperador, ela e o marido fizeram um acordo com D. Pedro e deixaram o Rio de Janeiro em dezembro de 1828. A criança nasceu em Paris, em agosto de 1829 e, a pedido do pai biológico, recebeu o nome Pedro de Alcantara Brazileiro de Saisset.
(...) É a primeira vez que levanto minha voz, senhor, para exigir de Vossa Majestade o cumprimento do que gentilmente assegurou-me. Não vou lembrar a Vossa Majestade a delicadeza que sempre demonstrei em todas as minhas relações com o senhor. E, enquanto pude, o senhor sabe que jamais usei de minha posição para fazer-lhe pedidos. A conexão verdadeira que existia entre nós impediu-me de cuidar dos meus próprios interesses. Inteiramente devotada aos sentimentos que me atraíram para Vossa Majestade, minha única preocupação foi permanecer digna do amor que tive o prazer de inspirar no senhor e assegurar que nada viesse para alterar a pureza desse sentimento.
Quando tive a honra de conhecer Vossa Majestade sem ser rica, estava em condições de não precisar de uma pensão. Mas sacrifiquei tudo pelo senhor... marido, filhos, posição social, futuro, prosperidade. O vosso amor tomou conta de tudo na minha vida; forçada a deixá-lo, o senhor ofereceu-se para reparar uma parte do que me tinha feito perder. Eu confiei nas vossas promessas e espero que o senhor não queira que eu esteja enganada. O senhor cumprirá o prometido. Recebi a vossa palavra enquanto Soberano, um título sagrado, e não cessei, por um instante sequer, de ter completa confiança nela.
O Sr. Gonçalves, ao entregar-me os 5.000 francos enviados por Vossa Majestade, pediu-me que fizesse dois recibos, assim justificados: recibo de três mil francos para a pensão do pequeno Pedro e outro de dois mil francos para um presente. Jamais imaginei tamanha humilhação! E teria recusado, se não fosse a necessidade urgente em que me encontrava. Vossa Majestade deve lembrar que sou a mãe de vosso filho, as relações que se estabeleceram entre nós dois requerem, de minha parte, apenas que vos lembre de cumprir vossas promessas. E se convém a Vossa Majestade oferecer-me um presente, devo aceitá-lo por respeito, mas não ao ponto de dar recibo a um estranho.
Tomo a decisão de endereçar esta carta a Vossa Majestade em duplicata, sendo uma cópia por intermédio do Sr. Gonçalves e outra pelo Sr. Gomes da Silva.
Vossa Majestade se dignará a aceitar com bondade esta queixa, que jamais teria feito, se não estivesse convencida do vosso apego aos filhos. O meu silêncio poderia ser interpretado como um insulto ao senhor ou lançado dúvidas, mesmo que por um instante, sobre a vossa palavra real.
Termino esta longa carta na esperança de que seja recebida com alegria por Vossa Majestade, que – atrevo-me a uma lisonja pessoal – deve ter guardada na memória alguma estima por esta que jamais esquecerá a bondade com que o senhor sempre dignou honrá-la.
Com o meu mais profundo respeito
de Vossa Majestade sua mais humilde servidora.
C. de Saisset
Love and self-love - part 03
“And if it behooves Your Majesty to offer me a gift, I must accept it out of respect, but not to the point of giving a receipt to a stranger”
In August 1834, Clémence de Saisset wrote a long letter to D. Pedro, the father of her son. The document was translated by the blog and divided into three parts. In this last section,
the dressmaker talks about the love she once felt for the Emperor of Brazil and the true connection that existed between them. She demonstrates that she still has some respect for her ex-lover, but makes it clear that she will not accept attitudes that she considers abusive.
D. Pedro, however, never became aware of the feelings expressed by Clémence. He died in September of the same year at the Palace of Queluz in Portugal and, most likely, never received the six-page letter. The relationship had ended six years earlier, after the Frenchwoman announced that she was pregnant by the Duke of Bragança. To avoid further court scandals and complications in the emperor's new marriage, she and her husband made an agreement with D. Pedro and left Rio de Janeiro in December 1828. The child was born in Paris in August 1829, and at the request of his biological father, received the name Pedro de Alcantara Brazileiro de Saisset.
(...) It is the first time that I raise my voice, sir, to demand from Your Majesty the fulfillment of what you kindly assured me. I will not remind Your Majesty of the delicacy I have always shown in all my dealings with you. And, as long as I could, you know I never used my position to make requests. The real connection that existed between us prevented me from looking after my own interests. Entirely devoted to the sentiments that drew me to Your Majesty, my only concern was to remain worthy of the love I was pleased to inspire in you, and to ensure that nothing should come to alter the purity of that sentiment.
When I had the honor of meeting Your Majesty without being rich, I was in a position not to need a pension. But I sacrificed everything for you... husband, children, social position, future, prosperity. Your love took over everything in my life; forced to leave you, you offered to repair part of what you had caused me to lose. I trusted your promises and I hope you don't want me to be mistaken. You will fulfill your promise. I have received your word as Sovereign, a sacred title, and I have not for a moment ceased to have complete confidence in it.
Mr. Gonçalves, when handing me the 5,000 francs sent by Your Majesty, asked me to make two receipts, justified as follows: a receipt for three thousand francs for little Pedro's pension and another for two thousand francs for a gift. I never imagined such humiliation! And I would have refused had it not been for the urgent need in which I found myself. Your Majesty must remember that I am the mother of your child, the relations that have been established between the two of us require, on my part, only that I remind you to keep your promises. And if it behooves Your Majesty to offer me a gift, I must accept it out of respect, but not to the point of giving a receipt to a stranger.
I decide to address this letter to Your Majesty in duplicate, a copy being sent through Mr. Gonçalves and another by Mr. Gomez da Silva.
Your Majesty will deign to kindly accept this complaint, which I would never have made had I not been convinced of your attachment to your children. My silence could be interpreted as an insult to you or cast doubt, even for a moment, on your royal word.
I end this long letter in the hope that it will be received with joy by Your Majesty, who – I dare a personal flattery – must have kept in memory some esteem for ß that will never forget the kindness with which you have always deigned to honor her.
With my deepest respect
Your Majesty's most humble servant.
C. de Saisset
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